Mokusô
O primeiro ideograma de Mokusô, “moku”, significa “manter silêncio” e o segundo, “sô”, “ideia, pensamento”. A sua tradução, que normalmente se faz por “meditação”, tem, etimologicamente, o sentido de “mente silenciosa ou vazia”.
Nas aulas de artes marciais, o Mokusô é feito no começo e no fim da aula, na posição de seiza (Vd. Secção “Dôjô-Etiqueta e Cerimonial”), com os olhos fechados ou semi-cerrados, as mãos sobrepostas, com as palmas para cima, encostadas ao ventre, ou repousando sobre as coxas, palmas para cima e o polegar e indicador unidos pelas pontas.
O objectivo primeiro do Mokusô é o de preparar a mente para o treino que se segue, tornando-a mais alerta e serena, esvaziando-a de pensamentos parasitas, tornando-a mais receptiva ao que a cerca. O seu significado está relacionado com o “mushin” (“mu”=negação, nada, ausência, e “shin”=mente, espírito, coração) do Zen-Budismo, traduzindo-se por “mente vazia, desprendimento”.
Idealmente, este estado de serenidade, de mente liberta do ego, deveria perdurar ao longo de toda a prática, desde o Taisô até à saudação final, passando pelo treino de Kata e Kumite. Infelizmente, tal não é assim tão fácil de conseguir.
Quem já alguma vez tentou fazer qualquer tipo de meditação, saberá, por experiência própria, que é difícil manter-se sem pensar, mais do que alguns momentos. Isto é perfeitamente natural, e o intento deve ser dirigido, não para interromper, a todo o custo, o fluxo de imagens desordenadas da mente, mas exactamente para não “forçar” essa interrupção, tentando fazê-la gradual e calmamente. Isso consegue-se, por meio de variadas técnicas, a mais simples e usual das quais é o concentrar da atenção na respiração.
Respirar, calma e profundamente, ritmadamente e sem esforço e concentrando a atenção nessa “tarefa”, podendo (ou não) contar (por ex.: inspiração=4 tempos, pausa=2 tempos, expiração=6 tempos, pausa=2 tempos), constitui um método simples e prático de começar a “meditar”. Ao fim de algum tempo, depois de adquirido um ritmo calmo, deixar de contar e limitar-se a “observar” a respiração. É evidente que estar a fazer este exercício durante a execução de um kata ou frente a um adversário, num treino de kumite é pouco menos que impraticável, mas ele é possível nas pausas dos treinos.
Por outro lado, é possível, antes de começar um kata, ou iniciar o kumite, fazer um pequeno exercício que ajudará a recuperar a serenidade e uma mente receptiva, e a afastar pensamentos egotistas de derrota ou vitória, insegurança ou medo.
Concentrando o olhar num ponto situado um ou dois metros à frente (no caso do kumite, pode ser o próprio parceiro de treino) fazer uma ou duas expirações lentas e profundas, com os lábios entreabertos, relaxando o corpo e deixando cair os ombros, concentrando a energia no tanden [1].
Quando um ocidental fala em meditação, refere-se a “reflexão, concentração mental sobre um assunto, análise”. Outros métodos de meditação utilizam, por exemplo, a concentração (numa imagem cerebral), a contemplação (na beleza de uma paisagem), etc.
A concepção oriental, principalmente a do zen-budismo, é exactamente oposta. O seu objectivo é o não-pensamento, a obtenção de uma consciência límpida (clear conscience), o não-agir. Quando nos concentramos em algo ou contemplamos uma qualquer imagem, estamos a agir mentalmente, estamos a pensar. Os próprios exercícios de respiração descritos acima são apenas processos de aproximação à prática de meditação. De facto, se estivermos concentrados na forma de respirar, também estamos a agir mentalmente. O próprio acto de tentar não pensar é uma acção mental. A ideia de mokusô é a de deixar fluir os pensamentos, deixando-os seguir o seu curso até que se esbatam um por um, criando um estado de consciência, que difere dos três estados conhecidos (vigília, sono e sonho), no qual a mente está como que inactiva, mas, ao mesmo tempo, alerta, receptiva a tudo o que a rodeia.
Para melhor compreensão deste estado modificado de consciência, podemos utilizar uma analogia, descrita por Peter Russel, no seu livro “A Técnica de MT”[2], em que os estados de consciência são comparados às diferentes formas de ver um ecrã de cinema.
Assim, o projector de cinema corresponderia ao cérebro, que projecta imagens no “ecrã da mente”.
Se o projector estiver ligado a uma câmara em directo do exterior da sala, por exemplo, veremos cenas da vida real, em tempo real, o que corresponderia ao estado de vigília, no qual estamos conscientes do mundo exterior.
Se o projector estiver a mostrar imagens gravadas, como um filme ou simples imagens abstractas, isso será o equivalente ao estado de sonho. Se desligarmos o projector, não vemos nada sobre o ecrã, tal como no sono profundo, não temos percepção de coisa alguma. Finalmente, se o projector estiver ligado mas sem filme, o ecrã está iluminado, mas sem imagens. No correspondente estado de consciência, o de percepção pura, a mente está desperta, mas sem actividade, completamente tranquila.
[1] - Tanden: literalmente, “campo de arroz vermelho”, é um ponto situado no centro do corpo, aproximadamente três dedos abaixo do umbigo, onde a cultura japonesa considera residir o ponto onde se acumula e de onde irradia a energia, ou ki, no corpo humano. Perceber-se-á melhor o significado da leitura dos ideogramas se nos lembrarmos de que o arroz é a alimentação base do Oriente, por conseguinte, a principal fonte de energia, e relacionarmos o vermelho com sangue e vida.
[2] - Peter Russel - A Técnica de MT, Ed. Dinalivro
Nihon Karate Do Shoto Kai
(Membro oficial)